Resumão feminista – Boyhood‏

Por Juliana Rocha 

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Bem, é preciso começar este resumão dizendo que amei este filme, que indico muito e que é meu filme preferido da lista do Oscar. E que, como os outros resumões, conterá spoillerzinhos, mas nada que atrapalhe a sua visão particular dele.

O difícil de escrever sobre Boyhood é que ele é tantas coisas, mas nada concreto. Toda passagem parece banal, mas tem tantos significados que eu poderia ficar uma vida editando este texto.

O que todo mundo sabe: É um filme que levou 12 anos para ser rodado. Começa com o menino com 5 anos e termina com ele indo para a faculdade. Mesmos personagens e mesmos atores.

A impressão é que esse filme conta uma história sem ter história. Conta o cotidiano, a beleza da mediocridade do dia a dia. Achei isso lindo e realmente comovente.

Quando a gente vê, as crianças já cresceram, nossa pele mudou, nosso corpo mudou, os amigos mudaram, nossa casa é outra e toda hora estamos usando uma tecnologia nova. Nem percebemos como e quando foi isso. Quando a gente vê, já está sofrendo as consequências das nossas escolhas. Assim é na vida e assim é no filme. Ao contrário de Birdman, ele aborda bem e naturalmente as questões das redes sociais e outras tecnologias – com diálogos lindos e questionadores a respeito.

Mas o que mais me encantou no filme não foi o crescimento do menino, protagonista do filme. O que me conquistou e  evitou que eu reclamasse das duas horas e meia de filme foi a mãe solteira, vivida pela maravilhosa Patricia Arquette (no final do texto explico por que amo tanto esta mulher), que começa o filme tendo que criar os filhos sozinha, com dificuldades. Todo o esforço dela para melhorar a vida dela mesma e das crianças.

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Ela me fez pensar sobre muitas coisas e identificar muitas delas no cotidiano de todas as mulheres comuns, como eu – como a gente.

Começa o filme e ela ainda ama o pai das crianças, mas não o quer mais porque ele não é responsável. Quando se separaram, ele simplesmente foi embora porque “precisava de um tempo”. Toda responsabilidade fica para ela, claro. Para o pai, quando ele resolve voltar, sobram os encontros de final de semana em que ele pode ser o pai mais bacana do mundo. E muitas vezes ele é mesmo.

Tem uma cena legal em que ele constata que a filha vai transar e conversa sobre camisinha e contraceptivo. Ele toca numa banda, ele odeia o Bush, ele é pró Obama.

Mas apesar de se mostrar bacanudo, não perde a chance de ser machista, mesmo que muito menos do que outros personagens masculinos. Como na cena em que o filho, ainda criança, diz que está interessado numa menina e ele pergunta: ela é bonita? Ou quando o filho, já adolescente, está sofrendo por causa do fim do namoro, e ele faz tudo pra desclassificar a ex do menino. Um esquerdo macho?

A seguir ela se muda pra poder fazer faculdade e se casa com um professor. Atencioso com os filhos dela e que também tem mais dois filhos. O cara parece bacana. Mas bebe escondido, e vai se revelando um alcoólatra violento. E bate nela.

Ela vai embora com seus filhos. Aterrorizada, ela ainda denuncia o cara para o conselho tutelar porque ele ficou com os dois filhos dele, fala com a mãe das crianças. Faz o que pode pelos filhos dele e lida com a revolta dos filhos por terem sido tirados de casa, da cidade.

Em outro momento, já com a vida reconstruída, professora de uma faculdade, ela casa novamente com um cara que parece muito legal. Mas logo ele também se mostra um alcoólatra.

A gente pode pensar: “Mas que merda de escolhas essa mulher faz?!”. Ou apenas como eu pensei na hora: “Que azar!”. Ou ainda: “Outro alcoólatra?”. Como se tivessem poucos alcoólatras no mundo, né, gente? Ela mesma fala sobre as “escolhas” erradas que fez.

Isso tudo me fez lembrar o termo “dedo podre”. Aliás, nunca ouvi esse termo ser usado para homens.

Isso é muito equivocado. Os homens com quem ela casa se mostram ótimos no começo, e só depois se revelam.

E é assim na maioria das vezes. Vejo sempre alguém apontando “mas foi ela quem escolheu assim” ou coisas do tipo. Sempre responsabilizando as mulheres pelos problemas que o homem trouxe para ela mesmo e até para a sua família.

Gente, pensem: por que alguém escolheria alguém assim?

A mulher não é dedo podre. Podres, são os homens. Manipuladores, escondem sua verdadeira face. Quando mostram, às vezes a mulher não tem como sair, estão dependente de várias maneiras. E também levam um tempo se perguntando: “Ele era assim desde sempre e eu não percebi?”. E depois vem a culpa de abandonar alguém que um dia foi bom com ela, que um dia a apoiou.

A mãe solteira do filme é enganada. E consegue se libertar.

O pai dos filhos dela, depois de 12 anos, vira o cara que tinha que ser no começo. Com outra família, com outro filho. E ainda “brinca” que era só ela ter esperado.

Ela cria aquele casal de filhos que a gente vê crescer na tela de repente, que crescem doces, gentis, inteligentes.

Quantas mães assim, em situações bem mais adversas, até, a gente conhece? É a heroína da vida real. Eu a amo.

Como eu disse, o filme não mostra nada de extraordinário nessa passagem de tempo. Só a vida mesmo, e seu percurso. Os dramas do nosso dia a dia, a realidade crua, como a violência doméstica ali inserida, como assim é na vida de tantas mulheres.

Nada é banal, muito embora às vezes pareça. Entre esses relacionamentos essa mãe estuda, trabalha, faz mestrado, e cresce muito como pessoa. Os ex-maridos ficam para trás. O pai das crianças se torna o cara chato que ele não queria ser.

Ela se torna a mulher que queria ser.

E já quase no final do filme, quando o filho vai embora para a faculdade, e a mãe vai ficar sozinha, de repente ela tem uma crise de choro dizendo que era o pior dia da vida dela. É quando vem a cena mais emocionante do filme. E eu acho que a frase dela, do final dessa cena, resume o filme e nossas vidas:

“Eu só achei que haveria mais!”

A gente sempre acha, amiga!

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Nota: Amo a Patricia Arquete por esse filme: True Romance, que assisti em meados dos anos 90 e nunca me esqueci do nome da personagem dela: Alabama. Nunca me esqueci de uma cena bem sangrenta, em que ela mata um cara – veja que a misandria já existia em mim nos anos 90. Acho que o roteiro desse filme é o primeiro do Tarantino. Esse é um dos meus filmes preferidos e fiquei bege agora que vi que ele foi fracasso de bilheteria! Não por minha causa, porque assisti no cinema e depois aluguei a fita na locadora! Risos.

Também a amo por causa da sua voz suave e dos dentes diferentes. Obrigada por nunca usar aquelas coisas que fizeram com que todos atores ficassem com os dentes iguais, Patricia!

E a amo mais agora, por este filme.

Deêm logo o Oscar pra ela!

Deêm logo o Oscar pra ela!

Resumão feminista

É uma coluna que pretende apenas fazer uma análise com recorte feminista de algum filme ou mesmo cena de um filme. Conterá spoillers, principalmente sobre tudo que a autora do texto entender como gatilho para outras mulheres. Será uma visão pessoal, que não tem pretensão alguma de ser crítica de cinema e de fazer qualquer análise profunda fora do ponto de vista feminista e/ou opinião pessoal. Pode conter – ou melhor, certamente conterá – misandria.

2 Respostas para “Resumão feminista – Boyhood‏

  1. a única coisa que eu acho que falta, no nosso senso crítico feminista, a ser discutida além disso tudo é a cena onde os meninos menores bebem com garotos da faculdade, numa noite, numa casa que parece abandonada, não lembro. nela, um dos caras mais velhos frisa de uma maneira horrorosa e escrota que as mulheres não precisam querer transar. se o cara quer, ele consegue.

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    • Sim, a casa que estava em construção dos pais de um deles. Meninos escrotos, nojo imenso. Eu fiquei encantada com a personagem da Patricia e resolvi fazer um recorte sobre ela.
      Poderia mesmo ter falado sobre isso e ter deixado um aviso. Mas, na minha opinião, nesta cena fica bem claro que os caras mais velhos, que falam aquilo, são escrotos e horríveis. Inclusive mostra que além disso eles são burros, porque o menino mais novo os questionava e evidencia que eles estavam fazendo um papel de macho escroto.

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